Reflexões Planetárias

Wednesday, January 09, 2008

Um arquitecto que não projectou com o clima

Refiro-me a Mies van der Rohe e ao Seagram Building, desenhado em 1954. Incluio no final desta reflexão, a título de comparação, a parede-cortina do edificio Jespersen desenhado na mesma altura (1955) por Arne Jacobsen.
O Seagram Building é uma grande obra de Mies reconhecida pelos seus pares e, por ele próprio como a sua obra prima. Um paradigma da arquitectura moderna, mais precisamente: do "international style" que agora ganha status em Portugal.
O corpo principal impõe-se na forma pura de um paralelipípedo enorme e cristalino, visto da Praça, um vácuo criado pelo seu recuo no lote para o exaltar. É significativo que Mies tenha dificultado a permanência das pessoas na praça para não prejudicar a pureza da arquitectura evitando, por exemplo, o murete na bordadura do lago porque poderia ser utilizado como um convidativo banco à beira de água.
Com o mesmo propósito de controlar, disciplinar as pessoas, neste caso em nome da composição da fachada, Mies fixou o movimento dos inevitáveis estores interiores, em três posições: aberto, fechado e a meia altura.
É precisamente a fachada, o pormenor desta fachada que despertou a minha curiosidade, aguçada pela análise da fachada corrente do Instituto Nacional de Pensões de Aalto.
A fachada do Seagram é bela de vêr! A sua linguagem estrutural minimalista traduz à letra o anseio estético de Mies, tão bem expresso nestas palavras citadas por Martin Pawley:
“Skyscrapers reveal their bold structural pattern during construction. Only then does the gigantic steel web seem impressive. When the outer walls are put in place, the structural system, which is the basis of all artistic design, is hidden by a chaos of meaningless and trivial forms...Instead of trying to solve old problems with these old forms we should develop new forms from the very nature of the new problems. We can see the new structural principles most clearly when we use glass in place of the outer walls, which is feasible today since in a skeleton building these outer walls do not carry weight. The use of glass imposes new solutions."


"Less is more". Estética minimalista bem legível na magreza do detalhe, em que tudo é reduzido a expressão mais simples da estrutura metálica. Leveza e transparência. Soliditas e venustas!

Não tão simples e verdadeira como desejaria Mies, porque teve que recobrir a estrutura e dobrá-la com perfis exteriores decorativos, para cumprir as disposições de segurança contra incêndio. Então o corte pelo cunhal é claríssimo! O vidro passa pela frente de tudo, reduzindo a leitura aparente do cunhal forrado de bronze e adornado com dois perfis decorativos.
"Deus está nos detalhes". Mas a natureza do clima onde está? Em parte nenhuma. Tudo isto não tem literalmente nada a ver com o clima algo extremado de N. Y., um indesejado mas incontornável circunstante que, se não pode ser ignorado, tem que ser combatido... com máquinas para que o edifício seja habitável sem violar o imperativo estético minimalista.
Na magra geometria do corte não há lugar para isolamentos térmicos, muito menos, claro, para correcção de pontes térmicas. A única referência especial ao clima é a inclusão de uma calha invisível para receber a água condensada na caixa de ar entre os paineis metálicos e a verga estrutural.
Os enormes envidraçados são de vidro simples de 1/4". Colorido,"whisky brown", para dar à fachada um tom quente e, presumo, para reduzir a carga térmica devida à incidência da radiação solar na grande superficie envidraçada, em prejuizo da iluminação natural.
Mas que importa? Num alto e espesso edifício de serviços como este, mais comandado pelas cargas internas do que pela envolvente, não podemos sequer abrir as janelas por causa do vento: estamos condenados a viver mergulhados num morno ambiente de aquário, controlado por instalações de AVAC (aquecimento, ventilação, ar condicionado)e de iluminação artificial. Falta provar se a fachada de dupla parede (DSF, "double skin facade") hoje em discussão poderá contribuir para que estes grandes edifícios venham a ser mais humanos e menos energívoros - "more with less"!
Compare-se a magreza do corte da parede-cortina do Edificio Seagram com a robustez do corte equivalente do edifício Jespersen, projectado na mesma altura por Arne Jacobsen para a cidade de Copenhaga, fria como N. Y. no Inverno, mais moderada no Verão. Aqui estão o isolamento térmico, a correcção das pontes térmicas na parede, o vidro claro duplo em caixilharia de madeira forrada de alumínio pelo exterior...


Mas para mim o corte que mais me enche as medidas é ainda o do Instituto Nacional Pensões de Aalto, também da mesma altura (1952-56). Pela forma simples como, além do mais, aproveita a luz natural e porque me parece salvaguardar a inércia térmica útil das lages, não as revestindo com tectos isolantes. Gostava de confirmar.

Fonte dos desenhos: D. A. C. A. Boyne, Architects working details, The Architectural Press, London, 1951

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