Reflexões Planetárias

Wednesday, May 26, 2010

Aprender a "jogar" com a arquitectura

Richard Neutra contrapunha uma arquitectura "omnisensorial" ao empobrecedor visualismo do "arquitecto euclidiano". Steen Eiler Rasmussen mostra-nos em meridianos exemplos como a experiência da arquitectura é multisensorial, assim como faz parte da nossa vida corrente e da aprendizagem informal dos mais novos. Eis um desses exemplos que traduzo na íntegra:
Nenhuma outra arte emprega formas mais frias e abstratas, mas também nenhuma outra está tão intimamente ligada à nossa vida quotidiana do berço até à morte.
A arquitectura é produzida por gente comum para pessoas comuns; deveria ser por todos apreensível. Baseia-se num certo número de instintos, de descobertas e de experiências comuns a todos nós, desde que nascemos - sobretudo na nossa relação com as coisas inanimadas.
Podemos comparar com o que se passa com os animais. Certas capacidades naturais nos animais, apenas as alcançamos com denodado esforço. São anos para uma criança se pôr de pé, para andar, saltar e nadar. Por outro lado o ser humano alarga o seu domínio a coisas que não fazem parte dele próprio. Com a ajuda de toda a espécie de meios aumenta a sua eficiência e o alcance da sua acção como nenhum outro animal.
Entregue a si própria, a criança começa por tomar o gosto, tactear e manipular as coisas, trepar e gatinhar sobre elas, para descobrir como são, se são amigáveis ou não. Aprende rapidamente a usar toda a sorte de instrumentos e assim evita as experiências mais desagradáveis.
Cedo a criança se torna apta para usar estas coisas. Como que projecta os seus nervos, todos os seus sentidos, no âmago do objectos inanimados. Ao atirar uma bola contra a parede a que não chega lá acima, fica com uma impressão dela. Desta maneira descobre que ela é muito diferente de um bocado de tela ou de papel em tensão. Com a ajuda da bola apreende a dureza e a solidez da parede.

A enorme igreja de S. Maria Maggiore fica numa das sete colinas de Roma. Inicialmente o sítio não estava arranjado, como se pode ver num velho fresco existente no Vaticano. Mais tarde, os declives foram suavizados e articulados com uma escadaria que vai até à abside da basílica. Os muitos turistas que lá vão de visita não se apercebem do caracter próprio do espaço à sua volta. Apenas dão conta do número de estrelas que o edifício tem no guia turístico e passam adiante. Mas a sua experiência do lugar não é como a dos rapazes que aí vi há anos. Calculo que andavam numa escola religiosa ali perto. Tinham um intervalo ás onze e usaram o tempo a jogar uma espécie de jogo da bola no amplo patamar ao cimo da escadaria. Uma espécie de futebol em que a parede também entrava, como no squash - uma parede curva, contra a qual batiam a bola com mestria. Quando a bola ia fora ia decididamente fora, a saltitar pela escadaria abaixo e depois a rebolar mais umas dezenas de metros com o rapaz a correr atrás dela afogueado, por entre carros e Vespas, até ao grande obelisco.

Não digo que estes jovens italianos aprendessem mais sobre arquitectura do que os turistas. Mas inconscientemente apreendiam certos elementos básicos na arquitectura: o plano horizontal e as paredes verticais sobre os declives. E aprendiam a jogar com estes elementos...
-Steen Eiler Rasmussen (1959). Experiencing architecture, John Wiley & Sons, Inc. NY.

Monday, May 24, 2010

Hertzberger (1)

It is almost possible to say that there is a
mathematical relationship between the beauty of
his surroundings and the activity of the child;
he will make discoveries rather more voluntarily
in a gracious setting than in an ugly one...
We must, therefore, quit our roles as jailers and
instead take care to prepare an environment in
which we do as little as possible to exhaust the
child with our surveillance and instruction.
- Maria Montessori

Herman Hertzberger contagia-nos com a sua visão da arquitectura como forma de construir a felicidade numa sociedade aberta, participativa.
Começa na escola. E bem!
Sobre a desesperante platitude panóptica do economicismo "moneteísta" que deu na "globalização da pobreza" e na acelerada disrupção da natureza, perfila-se em Hetzberger uma arquitectura "estruturalista" e colorida em que sorri a felicidade na meia-face risonha da modernidade! "A beleza é a promessa da felicidade", dizia Stendhal!

As suas escolas pretendem favorecer a eclosão de multiplas actividades, a interação e a gradação da convivência, na configuração dos espaços, mas também na altura dos muros, no pormenor dos degraus ou do mobiliário.
Meios simples.
Na senda do seu mestre Aldo van Eyck e tal como Jan Gehl quanto aos "espaços entre os edifícios"; ambos se demarcam do "fachadismo".
Hertzberger também faz menção de se demarcar da "religião da sustentabilidade", mas a urbanidade da sua arquitectura não parece ir "contra a natureza".

Hertzberger é, porventura, o artista na superlativa acepção de Herbert Read e de Alain de Botton: um construtor contagiante de belos sonhos. Como Jaime Lerner, perfeito de Curitiba que, com a população e pouco dinheiro, deu nova vida à cidade, nos transportes e no mais, em obras como a Opera de Arame feita de tubo e vidro e construida em 75 dias na cratera de uma pedreira desactivada no Bairro Pilarzinho!

É do que precisamos para sair do fosso do "deficit", do "deficit de viver", em que nos deixamos encurralar!

(1) A propósito de uma conferência de Hertzberger sobre as escolas, realizada no LNEC em 20 deste mês.