Reflexões Planetárias

Saturday, October 23, 2010

Carlota Pérez

Carlota Pérez esteve na Fundação Portuguesa das Comunicações, no passado dia 18, integrada no Ciclo de Conferências "humanhabitat" promovido pela Iniciativa Construção Sustentável.
Carlota Pérez apresentou a sua visão da crise que atravessamos, com contagiante vivacidade.
Mas qual a sua visão?
Mais uma crise de transição em mais um ciclo de Kondratiev, a que o "gato de sete foles " do capitalismo poderá sobreviver, qual "fenix renascida", proporcionando-nos mais uma "idade de oiro".
As novas tecnologias de informação e comunicação que estão na origem da crise financeira pelo abuso dos "mercados financeiros" - o que é para muitos de nós uma dolorosa realidade - poderão dar-nos a possibilidade de participar activamente numa sociedade capitalista integralmente globalizada - o que é uma ficção. Uma ficção que, a meu ver, dá força ás ETN (Empresas Trans-Nacionais), podendo ter um efeito mobilizador mas também sedativo no "consumidor" desorientado.
Lewis Mumford acompanhava Schumpeter que, sobre o futuro do capitalismo, tinha uma visão bem mais sombria do que a desta sua "discípula".
Cito Mumford ("The Myth of the Machine", 1964):
"Schumpeter fez notar, uma geração atrás, que o capitalismo gerou por si próprio as práticas que poderão causar a sua substituição por uma forma de colectivismo impessoal em que não há lugar para a propriedade privada, juizos de valor pessoais, contratos individuais e, eventualmente para ganhos e compensações pessoais, excepto nas antigas formas de "status" e privilégio".
Mas não foi o cenário optimista imaginado por Carlota Pérez toldado por algumas núvens de desumanidade e incerteza?
Penso que sim.
Não é humano reduzir-nos a um "capital humano". Carlota Pérez, ao avançar com uma justificação para tão fria expressão, mostrou aperceber-se que desperta nas pessoas este receio, quanto a mim fundado. E mesmo Carlota Pérez mostrou senti-lo na sua referência à família ameaçada.
Quanto ás preocupações ecológicas contidas no seu cenário optimista, afinal disse pouco. Pareceu-me que do seu ponto de vista, são uma "boa oportunidade de negócio", mas que sobretudo é imperativo meter a máquina do progresso (ou o progresso da máquina) dentro da capacidade de carga dos ecossistemas para evitar o colapso. Bem dentro do modelo termodinâmico de Odum ("Fundamentos de Ecologia") e bem longe de outra espécie de visões como as de Mumford, Attenborough, ou Bateson (Harries-Jones, "A Recursive Vision"), em que também nos ecossistemas a informação é mais importante do que a "energia" .
Claro que há outras visões não maquinistas sobre o capitalismo, a crise actual e o futuro que entram com o importante papel do progresso científico-tecnológico. Por exemplo a de Fritjof Capra ("The Hidden Connections"), para citar uma que "conversa" com a de Carlota Pérez... e com os arquitectos.
Carlota Pérez levou-me a retomar George Basalla ("A Evolução da Tecnologia") que tinha deixado a meio. Lá encontrei os seis pressupostos da ideia de progresso que ele define e judiciosamente questiona:
"Primeiro, a inovação tecnológica traz invariavelmente uma melhoria do artefacto que sofre a mudança. Segundo, os avanços da tecnologia contribuem directamente para melhorias nas nossas vidas material, social, cultural e espiritual, acelerando deste modo, o crescimento da civilização. Terceiro, o progresso feito na tecnologia e logo na civilização, pode ser medido de uma forma não ambígua com referência à velocidade, à eficácia, à potência ou outra medida quantitativa. Quarto, as origens, a direcção e a influência tecnológica são completamente controladas pelo Homem. Quinto, a tecnologia conquistou a natureza e forçou-a a servir necessidades humanas. Sexto, a tecnologia e a civilização atingiram as suas formas mais elevadas nas nações industrializadas ocidentais".
Carlota Pérez pode ser entendida a esta luz.

Carlota Pérez navega na maré alta da economia política. Herbert Read, teórico e historiador de Arte muito atento à evolução da nossa sociedade moderna deixou esta amarga apreciação da economia política, em "To Hell with Culture":
"Há uma ciência chamada economia, ou economia política. Ela é a desgraça da civilização tecnológica. Falhou na concepção de uma teoria coerente da produção, distribuição e consumo dos bens transacionaveis que proliferaram com a produção mecanizada. Falhou, não conseguindo dar-nos um meio internacional de troca sem as flutuações e desastres do padrão do ouro. Está dividida numa luta de seitas com dogmas irreconciliáveis que só se pode comparar com as querelas escolásticas medievais."

Os últimos vinte anos de promessas e enganos não nos levam a dar-lhe alguma razão?

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