Reflexões Planetárias

Tuesday, June 28, 2011

Syntagma

A Grécia sai à rua em grandes manifestações inorgánicas, suscitadas pela violência do tratamento de choque de cariz neo-liberal que Naomi Klein denunciou expressivamente em "The Shock Doutrine".
Coube à Grécia sofrer a sua primeira aplicação na Europa. Cuidemo-nos!
Segundo Stathis Kouvelakis, a magnitude destas manifestações inorgânicas e tingidas de violência que estão a ocorrer na Grécia, enquadram-se no confronto que dura há decadas entre um governo fraco e as classes populares que não foram capazes de encontrar a mais elementar forma de controlo democrático do estado.


"Esta prática social vinda de baixo tende a quebrar o quadro existente de representação, confronto e debate político." Kouvelakis não tem dúvidas de que será uma dos traços mais marcantes dos tempos que ai vêm e um dos maiores desafios que a esquerda e as forças populares gregas enfrentarão num futuro próximo. "Este desafio pode destrui-las. Não é retórica mas uma probabilidade real." "Se a esquerda e as forças sociais organizadas não forem capazes de enfrentar este desafio, se elas se apresentarem fracas e fragmentadas, serão varridas pela dinâmica das relações sociais, pelo crescente desespero e, provavelmente, pela emergência no seio da sociedade, das tendências mais reacionárias e agressivas. Se encontrarem formas de intervir e oferecerem uma perspectiva genuína que articule o descontentamento popular, então esta perigosa situação pode dar lugar a perspectivas de futuro para o país, para o movimento popular e, ainda, para as forças progressistas da Europa e do resto do mundo." Esta visão sombria de um intelectual de esquerda - Stathis Kouvelakis - contrasta com a expressão viva e confiante de um homem - Eduardo Galeano - que fez o pungente retrato das veias abertas na américa latina pelo capitalismo, agora contagiado pelas acampadas em que ele lê sinais de vida de um "outro" mundo que está na barriga deste "mundo de merda" dos banqueiros e burocratas. Fonte da imagem: http://www.thenewsignificance.com/2011/06/28/28-29-of-june-everybody-out-to-syntagma-square/

Sunday, June 26, 2011

Toca a trabalhar!

"He works in order to live. He does not even rekon labour as part of his life"
Karl Marx (1847) Wage Labour and Capital

A sociedade tecnológica tem nos alemães os seus principais protagonistas europeus. O que não é de hoje.
Fixados na eficiência económica, os setentrionais nao compreendem a relutância dos meridionais pelo trabalho assalariado, pelo trabalho como um sacrifício ou obrigação abstrata e não como uma parte da sua vida, mesmo que sofrida como era a vida de antanho.
Para eles, os portugueses que vivem em Portugal não querem trabalhar, não são como os nossos emigrantes que lá trabalham. O que tem um fundo de verdade.
O mecanismo da "dívida soberana" é agora uma oportunidade soberana para pôr os portugueses a trabalhar em Portugal.
Mecanismo que acabará por contemplar a "restruturação da dívida" que só os mercados usurários rejeitam. A restuturação é tecnicamente necessária, para assegurar o pagamento de juros em função do crescimento económico que lhes interessa.
Tudo uma questão de "interesses". Deles.
Claro que lhes interessa que os portugueses consumam os produtos que lhes interessa produzir lá lucrando com a venda, e abrir oportunidades de negócio cá no que não lhes cabe ou interessa produzir lá, embora quanto à Alemanha, os seus interesses estejam, por ora, mais virados para oriente do que para a Europa e, muito menos para países europeus economicamente insignificantes como Portugal.
É a sua perspectiva da vida centrada na "eficiência" e não a inversa que temos relutância em aceitar, mas em que desatinadamente nos deixámos enredar.
A alma da sociedade tecnológica é a potência. Dentro dela temos que ser engrenagem. Não há alternativa.
Perdida a "alma" e, com ela, a ligação a terra, não resistimos à potência da máquina, divididos mecanicamente entre o trabalho e a (tele)diversão e, a espaços, sacudidos pelos solavancos da máquina que pula e avança. Como agora.

Sunday, June 19, 2011

O que se pode esperar do Governo de Passos Coelho?

Vítor Gaspar é a peça-chave do governo.
Profissional de segunda linha, vaticinou entre outras coisas o maior sucesso para o euro, afivelando uma explícita imparcialidade técnica.

As suas convicções económicas, funções no BCE e ligações políticas a Cavaco Silva e Durão Barroso, dizem o fundamental sobre o que podemos esperar nos próximos tempos: a desinibida aplicação da doutrina maquinada na "Escola de Chicago", seguida pelo FMI nos paises do terceiro mundo e agora na Europa (Michel Chossudovsky, 2003) em conluio com o BCE e a Alemanha, começando nos países mais vulneráveis à crise gerada pela desregrada especulação financeira: Irlanda, Grécia e Portugal.
Esta doutrina que teve em Milton Friedman um dos seus arautos mais mediáticos, repõe a ordem social na "mão invisível do mercado", impedindo a génese de um projecto colectivo mobilizador.
Pelo contrário, ela consagra a luta de interesses particulares em nome de uma liberdade económica que já não existe, por efeito da concentração do poder resultante do darwinismo social que promoveu nos últimos 30 anos de capitalismo sem travões.
Um "laissez faire" anacrónico e perigoso.
Anacrónico, pois não vivemos hoje sob o jugo dos regimes autoritários que horrorizaram os refugiados da escola económica austríaca como Friedrich Hayek.
Perigoso, pois a corrosão social que promove, poderá favorecer a eclosão de um novo autoritarismo, ao arrepio da sua fixação ideologica liberal.
Só o abandono do "laissez faire" permitirá a génese de um projecto colectivo participado e, nesse sentido, a reabilitação do planeamento e do Estado-Nação como expressão genuinamente democrática de uma comunidade feita de homens livres e responsáveis, dispostos aos maiores sacrificios pelo bem comum.
Confrontados com a desastrosa hesitação dos dirigentes europeus, é neste contexto que situamos a resolução do problema da dívida, "sobreana" para uns, insustentável, ilegal, ilegítima ou mesmo "odiosa" para outros.
Mas, quem poderá protagonizar esta mudança?
Para já não vejo ninguém! A classe média a que pertenço vejo-a como uma maioria silenciosa dividida entre o temor e a esperança no salvador. Os "trabalhadores" estão na espectativa. Novas são as manifestações dos jovens que não se foram embora. Porventura diferentes das "ideológicas" manifestações de sessenta: as nossas "Manifestações académicas" e as de "Maio de 68". Diferentes, não só nas novas tecnologias. É uma "geração à rasca" na hora de entrar no mercado de trabalho.
Para já não passam disso mesmo: Manifestações. Manifestações não estruturadas e inconsequentes.
Mas ainda a procissão vai no adro!

Comentários adicionais sobre o elenco governativo:
-O gestor Paulo Macedo na Saúde indicia seguramente a racionalização do sector e provavelmente, conjugado com Vitor Gaspar, a privatização dos serviços de saúde.
-A concentração da agricultura, do ordenamento do território e do ambiente nas mãos da jovem Assunção Cristas deixou-me siderado! Profissionais experientes e sábios da estatura de Sevinate Pinto ou de Ribeiro Teles condensados na pessoa de uma jovem formada em direito! Não me esqueço do episódio menor mas significativo em que, no rescaldo da "crise dos subprime", Assunção Cristas saltou em defesa dos bancos como uma espécie de legião da boa vontade apostada em ajudar as pessoas a comprar a sua casinha! Verdadeiro ou falso angelismo?
O papel de Assunção Cristas adiante se verá, pois que a substancia parece remeter-se para os secretários de estado. E já se sabe quais são. Um retrato "fotomaton" seguindo a notícia do Público. No Mar temos um técnico com um curriculum que merece atenção! Na Agricultura, configura-se um tecnocrata que tem um modelo para Portugal: a Nova Zelândia! No desenvolvimento rural com Campelo, a guerra da regionalização e... a defesa do distrito de Viana do Castelo! No ambiente, pelo curriculum do novo secretário parece que teremos mesmo ... a privatização da água! A coisa está preta!
-Nuno Crato no Ministério da Educação e Ensino Superior!
Está agora à prova a ideia de um "Ministério para a Educação" que Nuno Crato expôs com veemente clareza em 2009 no Forum do PSD "Portugal de Verdade". Adivinham-se neste domínio tempos interessantes.

Fonte da imagem: http://xatoo.blogspot.com/2011/06/um-governo-da-opus-dei.html

Tuesday, June 14, 2011

Montessori

A exposição flúida e viva de Hertzberger, recheada de atraentes imagens verbais e visuais levou-me a acreditar na capacidade do método de Montessori para introduzir a criança numa sociedade aberta e participativa.
Por isso me surpreendeu a crítica de Jacques Ellul que, em "La Technique ou l´enjeu do siècle", citando uma declaração pública proferida por Maria Montessori na Unesco em 1949, a acusa de pretender inculcar na criança uma espécie de super-ego de cariz tecnocrático!

O livrinho de Maria Montessori sobre "A criança" e um outro de Manuel Soares sobre Froebel e Montessori, evidenciam (em Montessori que não em Froebel) um método em que a iniciativa das crianças prevalece sobre a do professor que não é um líder autoritário, pois está entre elas para as ajudar a utilizar os meios pedagógicos, respeitando os seus diversos percursos e rítmos de aprendizagem.
O método de Montessori combina razão e afeição e favorece a criatividade individual por via da experiência multissensorial do meio próximo, evidenciando um apertado controlo indirecto no desenho e na utilização de materiais e formas abstratas, simples e atraentes, em jogos didáticos que são postos à disposição da criança, tal como fora idealizado por Froebel.

Ainda hoje guardo na memória as fitas e o papel de lustro de belas cores que manipulava com cuidado prazer sobre a mesa de madeira impecavelmente encerada, feita à minha pequena escala, quando em criança frequentei o Jardim Escola João de Deus da minha terra que, portanto, já então incluia Froebel (e Montessori?) no seu modelo curricular.
Montessori seguia o que a ciência do seu tempo entendia ser a evolução psicofisiológica do ser humano, ao longo da sua vida e, particularmente na primeira infância.
A par da liberdade individual que o método cultiva, Maria Montessori insistia na transmissão valores, no desenvolvimento de uma consciência social desde tenra idade, seguindo o humanismo universalista que perfilhava.
Ellul via no discurso de Montessori um pendor tecnocrático, seguindo os fundados temores do seu tempo, assolado pelo nazismo e pelo estalinismo. Em contraposição, a dúvida que nos dias de hoje me fica a pairar, incide sobre a contribuição de métodos de educação centrados na liberdade para a propagação do individualismo, nas sociedades liberais em que se exalta a competição, contra a ideia de uma sociedade aberta e participativa.
Mas o ideário da Revolução Francesa não dissociava a liberdade da igualdade e não esquecia o cimento afectivo da "fraternidade". Um equilibrio de ideias e sentimentos que se me afigura patente na leitura de Montessori.

Fonte da imagem que mostra jogos didáticos de feição neoplástica, inspirados em Froebel :
http://www.eamonokane.com/playgrounds/

Berlusconi

Como diz o Guardian, os Italianos explicaram-se. Disseram não ás mais controversas políticas do governo. O não foi redondo!


-Não a uma lei antidemocrática que colocava o primeiro ministro acima da lei e para sempre impedia que fosse a julgamento.
-Não à privatização da água. Uma questão que está na ordem do dia em Portugal.
-Não à energia nuclear. Uma questão que talvez volte a estar na ordem do dia em Portugal.

Isto apesar de dispendiosos e irregulares esforços de Berlusconi para dificultar e impedir o referendum!
Isto depois da recente derrota que as forças de Berlusconi sofreram nas eleições locais e de várias derrotas no parlamento.
Mais um ponto. Em Itália como em Portugal e, como se prevê, em Espanha, governos em funções perdem ou perderão eleições. Não interessa a cor. Mas a esquerda não está a conseguir fazer passar uma alternativa credível e mobilizadora.
Tudo muito instável.
O que virá a seguir?

Sunday, June 12, 2011

Milton Friedman

Caiu-me ontem debaixo dos olhos uma série de entrevistas de Milton Friedman, dadas no prelúdio da arrancada neo-liberal que nos trouxe até à crise financeira em que nos encontramos.



Friedman é um comunicador nato. Com contida ironia e cativante à vontade, responde sem rebuço ás mais difíceis perguntas.
-O senhor ganha fortunas dando conferências!?
-Pagam-me bem. É a lei da oferta e da procura.
-O que faz ao dinheiro que ganha?
-Não é da sua conta, é cá comigo.
Friedman divulga com eficiência a teoria do mercado livre que emigrou para os States com os refugiados da escola austríaca (1), através de uma formula atraente:
"Liberdade de escolher".
A simplicidade da teoria que se resume a subordinar o poder político ao poder económico, no pressuposto de que o princípio de Pareto garante a bondade do mercado livre, ajuda à clareza da exposição, mas começa hoje a revelar-se terrivelmente simplista, confrontada com os resultados de 30 anos de neo-liberalismo nos dois lados do Atlântico, desde os consulados do cowboy virtual americano e da associal "dama de ferro" britânica.
É visível que o descabelado liberalismo conduziu, apoiado nas novas tecnologias, à dominação da banca que está a corroer a própria economia capitalista.
Também parece claro que a " liberdade de escolher" não passa de um acessório, atraentemente enganador, do produtivismo possibilitado pelo progresso tecnológico orientado para o ganho e poder.
Liberdade de escolher, mas dentro dos limites da eficiência económica que se chama lucro.
Daí a decisiva importância da combinação entre publicidade e marketing.
Estamos pois na versão capitalista da sociedade tecnológica - maquinista na terminologia mumfordeana - que é essencialmente uma sociedade de massas.
Massas de gente e de dinheiro.
O individualismo é ilusório e instrumental no conúbio da democracia formal com os "mercados", em que o Estado visa facilitar os negócios mas também controlar a conflitualidade social que tende a agravar-se. Que se pode esperar numa sociedade de massas em que se exalta a competição e não a cooperação?

(1) Não passou pela cabeça dos austríacos da escola de Hayek que o seu liberalismo individualista conduziria a concentração do poder financeiro por via da competição desenfreada?
O seu compreensível horror ao Estado centrava nele todos os seus temores. Não anteviam o perigo das "corporations" que estava do outro lado da tecnocracia e que os lúcidos "founding fathers" haviam já prenunciado.
Governos minados pelo liberalismo dos "rapazes de Chicago", conjugado com os interesses, desregulamentaram, não fiscalizaram, deixaram os mercados financeiros à redea solta, a caminho da bancarrota. Gueitner's sucederam-se a Greenspan's e aqui estamos nós agora, depois de entregar o ouro ao bandido, a sofrer o assalto da banca aos Estados por via dos juros da "dívida soberana".

Friday, June 10, 2011

Desafio à esquerda

"Procuraremos fazer mais e melhor, pelo menos", prometeu ás cambalhotas o jovem tenor da metade direita do centrão que, à mercê de interesses particulares de curto prazo, nos governa há 30 anos!
Cerca de metade dos eleitores inscritos, descontando os fantasmas, apoiou os partidos do arco da governação: PSD, PS mais o "one man show" que se chama CDS.
Ao que suponho, não troca o certo pelo incerto, isto é: grande parte da informe classe média a que pertenço prefere seguir o programa da "troika" e submeter-se aos "mercados financeiros", a libertar-se deles.
Será que, amolecidos por mais de 20 anos de euromilhões acreditam que, entregando todo o poder à direita - um governo, uma maioria e um presidente, finalmente - o crescimento económico estará, se nos portarmos bem, a dois anos de dificuldades e, com ele, o regresso à boa vida do cavaquistão [1]?
A outra metade não pensa assim...
Ou não pensa nada!
Aí está a "esquerda" residual, dividida entre utopias falhadas e irrealistas, incapaz de forjar um projecto credível e mobilizador.
Mas, se não se quer condenar à irrelevância, não é o que tem que empreender numa resposta à altura da enorme derrota que sofreu nestas eleições e do desafio que se coloca aos portugueses?

[1] Eu não acredito. Penso que, por este andar, o liberalismo se irá intensificar, acentuando-se as desigualdades e os conflitos sociais na exacerbada competição de um capitalismo sem travões, cabendo ao Estado facilitar os negócios e gerir os conflitos. Quem me dera estar enganado!