Reflexões Planetárias

Saturday, August 06, 2011

A Democracia e a Arte

Porque é que o capitalismo actua hoje com tanta brutalidade, quando os Medici nos deixaram tanta beleza em Florença e Veneza?


Os Medici eram uma família aristocrática de poderosos mercadores e banqueiros na fronteira da modernidade, mas ainda a três séculos da eclosão da democracia na América e em França que Alexis Tocqueville, dotado de uma aguda intuição, acompanhou de perto com grande aprumo científico e político.
Num tempo em que, palavras de Tocqueville em "Da Democracia na América","os destinos do mundo cristão parecem suspensos, enquanto uns atacam a democracia como uma força inimiga, sem verem que ela está ainda em pleno crescimento, os outros adoram-na como um deus surgido do nada"...
E interroga a seguir: "Que se deve pedir à sociedade e ao governo?". Porque para responder a esta pergunta é preciso assentar ideias sobre o que queremos, Tocqueville confronta um "modelo" aristocrático, digamos "fáustico" para usar a expressão de Spengler, com um outro democrático:
"Queremos dar ao espírito humano uma certa elevação, uma magnanimidade na maneira de ver as coisas deste mundo? Queremos inculcar nos homens uma espécie de desprezo pelos bens materiais? Queremos que despertem ou se enraízem convicções profundas, de maneira a que surjam grandes dedicações? Polir os costumes, melhorar o trato, dar brilho ás artes? Queremos poesia, espalhafato, glória? Queremos que o povo se organize de maneira a exercer pressão sobre todos os outros povos? Desejamos que se lance em grandes empreendimentos para que, seja qual for o resultado dos seus esforços, deixe um grande lugar na história. Se é esse o objectivo principal que querem ter os homens vivendo em sociedade, não devem escolher um governo democrático porque com ele nunca o alcançarão."
"Mas se pensarmos que é útil dirigir a actividade moral e intelectual do homem para as necessidades da vida material, empregando-a na produção de bem estar; se a razão nos parece mais proveitosa para os homens do que o génio, se o fim em vista não é o de criar virtudes heróicas mas hábitos pacíficos; se admitirmos que existam alguns defeitos mas não se cometam crimes, que se realizem menos acções grandiosas mas que haja menos preversidade, se em vez de querermos evoluir numa sociedade brilhante, nos contentamos em viver numa sociedade que prospera, enfim, se para nós o objectivo principal do governo não deve ser o de dar á nação inteira o máximo de força e de glória, mas sim o de dar a cada indivíduo o máximo de bem estar e o mínimo de miséria, então consideremos os cidadãos iguais e optemos por um governo democrático."

Admitamos que Tocqueville acertou em cheio, que ainda hoje os nossos destinos estão suspensos e a democracia está ainda imatura. A pergunta inicial tem então uma resposta adequada: a "brutalidade" resultará dessa imaturidade face à potência tecnológica do capitalismo impante, num tempo ainda de transição em que a democracia ainda não consolidou a sua forma de beleza própria que não será "grandiosa" mas porventura "chã"... como a arquitectura de Alvar Aalto.
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Fonte da imagem: commons.wikimedia.org

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