Reflexões Planetárias

Friday, November 23, 2012

Senhor Vitor Gaspar

Senhor Vitor Gaspar, se temos enormes constrangimentos e sacrifícios pela frente por muitos anos, então queremos ser nós(1) a assumi-los, em função do que pensamos ser as nossas necessidades, os nossos anseios, os nossos desejos.
Não queremos os vossos constrangimentos, em função dos vossos interesses ou de quem manda em vós, que não sejamos nós que vos elegemos.
Pusemo-los aí para nos servirem e não para servirem grandes grupos económicos e interesses rentistas, com o pretexto de que não há alternativa e que, servindo-os nos servem a nós. Quanto muito, eles pagaram as vossas eleições.
Mas isso é lógica mercantil, não é razão democrática.
O vosso compromisso democrático é conosco e não com credores que trataremos como entendermos, assumindo dignamente o ónus das consequências. Os custos, acabamos nós por pagá-los em qualquer caso. Não os senhores.
Portanto, se somos nós que os pagamos, cabe-nos a nós decidir sobre o que é devido e nos cabe pagar, através de um governo mandatado para o fazer, com a legitimidade democrática que os senhores perderam, faltando dia a dia aos vossos compromissos eleitorais.
A vossa acção destrutiva compara-se à de um furacão tropical. O olho deste furacão devastador é o senhor, Vitor Gaspar, afinal um técnico que deveria estar ao nosso serviço. A técnica serve a sociedade, não é a sociedade que serve a técnica. A técnica contabilística, como outra qualquer, serve sempre alguém e no seu caso, senhor Vitor Gaspar, governante de um estado democrático, deveria servir-nos a nós e o senhor e o seu governo - o pobre senhor dos Passos Coelho é uma figura de retórica, um "pi linha" - não nos servem.
Por isso queremos que se vão embora!

Observação: Esta óptica do democrata que personifica em Vitor Gaspar a "origem do mal", expõe-se ao ridículo, se se entender que "Gaspar" não é a "origem do mal", mas apenas uma roda dentada (de dentes bem afiados!) da engrenagem, do "sistema de mercado" dominante, exatamente como qualquer diligente "SS" era peça da máquina de poder nazi, em que a modernidade expôs o seu lado desumano.
Á sua remoção seguir-se-à a sua substituição por outro "Gaspar", enquanto este poder se mantiver hegemónico na mente de (quase) todos nós, usando os "truques fantásticos" disponibilizados pelo progresso científico-tecnológico ao seu serviço.
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(1) Quem somos "nós"? Um ser colectivo, activo e não passivo. Somos "nós", enquanto nos afirmamos contra uma minoria que se quer governar à nossa custa. Esses somos "nós", com todas as nossas virtudes e os nossos defeitos, as nossas convergências e os nossos conflitos, com o nosso passado que não enjeitamos e o futuro que queremos construir em comum.

Wednesday, November 21, 2012

O Montepio Geral e a ética

Fiz-me sócio de Montepio Geral por ser uma associação mutualista e, como tal, subordinar a lógica financeira ao princípio da solidariedade.
A deriva financeira, associada à globalização que nos está a arrastar para uma profunda depressão social, abalou o capital de confiança que depositava no sistema bancário, mas mantinha ainda uma reserva em relação ao Montepio Geral.
Esclarecimentos que vieram a lume por ocasião das eleições dos orgãos directivos para o próximo triénio (2), agravam suspeitas que pôem em causa essa reserva.
Saliento três, socorrendo-me para tal, da informação contida no documento redigido pela Lista "C" para o Conselho Geral.
- Um facto:"Com a última alteração aos Estatutos, foi retirado aos associados de uma forma permanente qualquer controlo da Caixa Económica que passa a ser controlada pelo Conselho de Administração por via da sua representação maioritária no orgão de fiscalização." Torna-se muito difícil a oposição dos associados, através do Conselho Geral, a "erros" de gestão como o seguinte;
- Uma suspeita reforçada: As "poupanças dos associados" podem ter sido e vir a ser utilizadas "na compra de empresas cujos activos tóxicos se desconhecem ou em investimentos de elevado risco," Tendo conhecimento das boas práticas da "banca ética" (1), solicitei informações sobre aplicações dessa natureza, a um gerente de contas do Montepio que mostrou não entender o que eu pretendia;
- Um facto chocante: Os cinco membros do Conselho de Administração desta associação mutualista que vive das poupanças da classe média, ganham em média cerca de 400.000 euros por ano, ou seja, mais de sessenta vezes o salário mínimo e, pasme-se, cerca do dobro do que ganham os seus congéneres da Caixa Geral dos Depósitos... que não é propriamente uma associação de benemerência! Ah! e já agora, têm direito à pensão reforma cumpridos vinte anos de serviço. Refiro-me aos administradores e não aos trabalhadores que para o efeito, precisam de trabalhar os tais trinta e cinco anos.
Pasmo como é que um frade franciscano alinha numa lista que vem de trás com este passivo... Ou talvez não!

O nosso problema, nesta sociedade de mercado em que estamos embarcados, é um problema económico, um problema de modelo económico, o problema de uma infernizante teoria de mercado de cariz mecanicista, baseada em pressupostos reconhecidamente falsos. Mas associado a esse problema económico sobrepuja um problema ético. Ético, não no sentido estrito da consciência individual, mas no sentido da consciência social e, ainda mais, no sentido da consciência ecológica.
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(1) ver aqui
(2) Os resultados das eleições para o próximo triénio, realizadas no passado dia 7 de Dezembro, mostram uma maior consciencialização dos associados do Montepio, mas estão ainda longe de alcançar uma expressão eficaz.

Sunday, November 11, 2012

"O desafio do decrescimento" *

Victor Bento que estava para ser o Ministro das Finanças deste governo, afirmava no ano passado que "o crescimento económico é em última instância e a longo prazo, fundamental para a satisfação de praticamente todos os outros objectivos."
Alvaro Santos Pereira que veio a ser Ministro da Economia, afinava por essa altura, no mesmo discurso apologético sobre o crescimento económico, para ele não menos do que "o melhor distribuidor da riqueza".
Creio não cometer grande erro se incluir Victor Bento e Santos Pereira nos "políticos e economistas oficiais" que, segundo Manuel Castells, "estão convencidos de que ganhar dinheiro e consumir bens e serviços é tudo o que é preciso para satisfazer as pessoas, e que, para acorrer ás famílias, bastará dar prioridade ao crescimento económico, o pai que satisfaz todas a necessidades."
Habitantes do Olimpo em que imperam os modelos macroeconómicos e os grandes interesses, estes senhores menosprezam "uma realidade que está a fazer caminho por todo o mundo. Milhares de pessoas enveredaram no todo ou em parte pela auto-suficiência económica, constroem redes de troca directa, organizam cooperativas de crédito, produção e consumo, experimentam novos modelos de vida quotidiana."

"De súbito, salta-nos à vista que a denominada "crise" equivale a uma diminuição contínua em termos de produto interno bruto (PIB), dos salários e do emprego."
Então por este andar, observa Castells, a oposição entre a economia oficial e a economia alternativa deixa de se traduzir numa dicotomia entre crescimento e decrescimento, mas numa diferença entre modelos de estagnação ou decrescimento. Com a diferença de que a economia tradicional" - leia-se, oficial - "parece ter exaurido o seu percurso histórico, enquanto que as novas experiências de organização económica e social assentam numa ideia diferente de cultura que depende de nós e não do sistema financeiro e da sua imprevisível turbulência."
Atentemos nesta observação de Castells! As politicas de austeridade estão a provocar a concretização de respostas alternativas que não se subordinam ao paradigma do crescimento económico.
Ora, há dezenas de anos que este paradigma do crescimento centrado no PIB tem vindo a ser posto em causa, no meio técnico-científico e em diversos fóruns internacionais. O paradigma do crescimento por ser ecologicamente insustentável e o PIB porque além disso, mistura indiscriminadamente os benefícios e os custos do "progresso". Por isso, têm vindo a ser desenvolvidos indicadores alternativos que foram discutidos em Abril passado na Conference on Happiness.
Por sinal, foi uma outra conferência pluridisciplinar sobre decrescimento, a 3rd International Conference on Degrowth, Ecological Sustainability and Social Equity , realizada em Setembro passado que levou Manuel Castells a escrever o artigo de opinião em apreço.
Toda esta actividade tem tido reduzido eco político e mediático. O paradigma do crescimento económico parece gozar de uma espécie de indiscutível consenso que vai da direita até à esquerda, como tive a oportunidade de verificar no recente Congresso Democrático das Alternativas. Mas poderemos nós acompanhar a realidade actual fechados nesse consenso?
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* Título de um artigo de opinião de Manuel Castells, publicado na revista Internazionalle, aqui parcialmente transcrito

Wednesday, November 07, 2012

A arquitectura acabou?

Estamos num impasse. Temos que nos entender em Portugal sobre a sociedade que queremos. Nós, a sociedade, a "sociedade civil".
Plutocracia? Democracia? Quero a democracia, uma democracia participada que não se esgota no acto eleitoral, mas não é o que aqui pretendo focar e que é o seguinte:
Sem nos entendermos sobre a sociedade que queremos, não há arquitectura; a pouca arquitectura que se faz vai andado à deriva...
Dou assim uma certa razão a Souto Moura.
A minha razão que não sei se será a dele.
"Em Portugal a arquitectura acabou nos próximos dez anos", é o título de uma entrevista publicada na secção dedicada ás Artes do Diário de Notícias de 9 de Setembro passado.
"Em Portugal a arquitectura acabou nos próximos dez anos". Bom. Souto de Moura não é tão incisívo, mas não deixa de ser mordente e não menos realista: "Sete, oito, dez anos".
Então, senhores arquitectos que faremos entretanto? Fechamos a loja e mudamos de ramo... ou emigramos? E que farão, o que é mais grave, os milhares e milhares de arquitectos que preparámos para arquitectar "objectos" excepcionais, Casas da Música ou das Histórias, "obras de arte"? Jovens criativos sonhando alcançar o brilho das estrelas. Jovens que, ano após ano se foram desencantando com a vida real.
É que, neste pequeno país não há, nunca houve céu para tantas estrelas. Para elas tem que ser o mundo inteiro!

Quanto a mim, é tempo de regressar à terra. É tempo de retomar as preocupações sociais que há cinquenta anos os jovens estudantes como eu encontraram no Sindicato Nacional ds Arquitectos. É tempo de incorporar na arquitectura as preocupações ecológicas que nunca levámos a sério, ao contrário do que insistem as estrelas. Não conhecemos os princípios, nem incorporámos os métodos para o fazer bem feito. Aproveitemos - há quem viva com pouco e não tenha perdido a capacidade de sonhar - aproveitemos esta sabática forçada para comparticipar na formação de ideias de futuro para regressar à terra.
Entretanto, aí estão os milhares de arquitectos desempregados (ou mal empregados!), fruto de uma deriva que não foi só dos arquitectos, mas também de muitos outros levados pelas sereias do consumismo. Tantos jovens frustados, tantas potencialidades desaproveitadas. É um enorme desafio que eles enfrentam e que todos nós temos a obrigação moral de enfrentar com eles. É terrivelmente urgente avançar com eles para o futuro que temos que construir, se não nos quizermos condenar à irrelevância. Como? Não sei. Mas ajudará se abandonarmos a guerra das estrelas e descermos à terra.

Sunday, November 04, 2012

Qual o lugar da banca numa democracia?

A "crise financeira de 2008" foi uma grande oportunidade para converter os bancos em instituções de utilidade pública.
Mas não foi isso que aconteceu. A palavra de ordem que correu pelos governos dos Estados Unidos e da maior parte dos países europeus foi a de salvar os bancos "demasiado grandes para falir"... dos efeitos da especulação financeira em que estão mais do lado das causas do que dos efeitos.
Recorreu-se mesmo à "nacionalização" de bancos. Uma designação imprópria, pois o que se nacionalizou foram os prejuízos dos bancos, recapitalizando-os com o dinheiro dos contribuintes, para os entregar de novo, ou vender por tuta e meia aos privados, como foi o caso do BPN em Portugal.
Os governos colocaram-se do lado dos "ricos".
E os bancos voltaram, no essencial, ao negócio do costume.

Interessa esclarecer o que se deverá entender por "nacionalizar os bancos", num sistema democrático em que é a sociedade que manda na economia, o inverso do que acontece na nossa economia de mercado. A leitura de Leo Panitch suscitou-me as seguintes reflexões, tendo en vista esse esclarecimento.

A banca tem um papel central na regulação financeira da economia capitalista e pode tê-lo também numa democracia participada, em que a economia é posta ao serviço da comunidade.
Neste sentido, o "sistema bancário precisa de ser reorganizado, assentando em pequenos bancos com uma vocação local ou, no máximo, regional." So, move your money!



A banca privada terá que incorporar princípios éticos e ecológicos como hoje ocorre nos "ethical banks" que já estão implantados na vizinha Espanha mas não ainda em Portugal.(1)
O controlo público da banca (2) é fundamental para viabilizar o "estado social" e promover o "crescimento económico":
-Actualmente, os fundos de pensões são investidos em toda a espécie de "produtos financeiros" sujeitos à lógica e aos excessos do capitalismo. Os fundos de pensões, tal como as poupanças de quem vive do seu trabalho, em vez de serem desviados para a especulação financeira, poderão ser aplicados no financiamento de empresas e projectos que contribuam para uma sociedade mais sustentável e poderão contribuir para o financiamento do deficit orçamental.
-Uma Caixa Geral dos Depósitos poderá funcionar como banco de investimento, canalizando fundos de pensões e depositos de poupanças para o financiamento de projectos não necessáriamente públicos que subordinem o interesse comercial ao social e promovam o "crescimento económico", enquadrado num plano de desenvolvimento sustentável tendo em mente as futuras gerações.

Mas poderá o controlo democrático da banca dispensar um verdadeiro Banco Central? Lógicamente que não! Mas não é isso que acontece na Europa-depois-de-Maastricht?
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(1) "Em Portugal não existe nenhuma legislação que obrigue os bancos a terem qualquer tipo de acção relativamente aos aspectos ambientais e sociais no contexto do desenvolvimento sustentável. Em países como o Brasil, México entre outros, tem-se assistido a algumas movimentações por parte das Associações de Bancos para o desenvolvimento de acções concertadas do sector relativamente à adopção de regras comuns para certos projectos. Apesar de ainda não existir legislação, tudo indica que tal irá mudar. Na realidade, a própria Comissão Europeia lançou em Junho de 2012 uma proposta de regulamentação sobre a informação que os bancos terão de passar a divulgar nos seus produtos financeiros, na qual está incluída a obrigação de dar a conhecer como é que os bancos e os produtos têm em consideração os aspectos ambientais, sociais e éticos."
(2) Este controlo público compreende não só o controlo da Banca pelo Estado, mas também o controlo do Estado pelas instituições políticas e "sociedade civil" organizada.

Thursday, November 01, 2012

Substituir o Estado

Dos jornais: "Governo português e FMI analisam despesa pública para preparar reforma do Estado".

Reforma do estado, aka "refundação do estado". Desvendado o mistério!
Com o pretexto de conter a despesa pública para reduzir o déficit das contas públicas, Vitor Gaspar prossegue impávido e imparável, como se fosse uma máquina, a sanha econocrática de substituir o nosso estado democrático imaturo pela versão "ultra-liberal" de um estado "periférico" capitalista, cujas funções capitais são:
- assegurar os negócios de ETN e mercados financeiros;
-tratar das inconvenientes externalidades sociais e ambientais.

A "refundação do estado" está agora descaradamente sob as ordens do FMI... que não têm feito outra coisa no desastroso "ajustamento estrutural" dos países "subdesenvolvidos" e agora, na oportunidade da crise financeira, entra a fundo nos mais fragilizados países da Europa como Portugal.(1)
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(1) Em "A globalização da pobreza", Michel Chossudovsky descreve, com grande cópia de dados de sua experiência directa, como a nefasta receita aplicada pelos "rapazes de Chicago" no Chile de Pinochet, foi replicada a partir dos anos oitenta, pelo Fundo Monetário Internacional. Mais de cento e cinquenta países do "terceiro mundo", sofreram os seus efeitos devastadores no ancestral equilibrio entre as comunidades e os ecossistemas locais provocando, segundo Mike Davis, o exodo de milhões de seres humanos desenraizados que foram engrossar sórdidos suburbios de monstruosas "cidades" em África, na América Latina e no sul da Ásia. A segunda edição do livro de Chossudovsky, publicada há dez anos, inclui já um capítulo sobre a extensão do "programa de ajustamento estrutural" aos países europeus. Está lá tudo o que estamos a sofrer hoje em Portugal.