Reflexões Planetárias

Wednesday, February 26, 2014

Contraste

"Acordo íntimo, predominância do pensamento puro sobre o querer, isso pode ocorrer em qualquer lado. Testemunham-no esses admiráveis pintores holandeses, que souberam ver de forma tão objectiva objectos tão minimos e nos deixaram uma prova tão duravel do seu desprendimento e placidez de espirito nas cenas de interior."

"O espectador não pode apreciá-las sem ser tocado, sem realizar o estado de espírito do artista, tranquilo, pacífico, cheio de serenidade que seria preciso para fixar a sua atenção em objectos insignificantes, indiferentes e reproduzi-los com tanta solicitude; e a impressão é tanto mais forte quanto, olhando para dentro de nós, deparamos com o contraste destas pinturas tão calmas com sentimentos obscuros, agitados por inquietações e desejos"(1)

Schopenhauer encontrava assim na arte, o refúgio, o lenitivo excepcional para o seu espírito atormentado pela ideia de um mundo dominado pelo mal e pelo sofrimento.
Um mundo dos homens em que "tudo o que é nobre e sábio só raramente se manifesta, se realiza ou se dá a conhecer; enquanto que a inépcia e o absurdo no domínio das ideias, a platitude e a vulgaridade no domínio da arte, a malícia e a perfídia na vida prática,só em fugazes momentos não dominam; em todo o género de obras, o excelente é reduzido ao estado de excepção, de caso isolado, perdido no meio de milhões de outros; e se por vezes acontece revelar-se numa obra durável, mais tarde, sobrevivendo aos rancores dos seus contemporâneos, ela permanece solitária, conservada à parte, como uma pedra do céu, como um fragmento destacado de um mundo subordinado a uma ordem diferente da nossa."(2)
Não perfilhando o pessimismo de Schopenhauer que via no sofrimento e no mal, o inelutável resultado da vontade de viver como princípio de toda a existência, temos que reconhecer que é esse o mundo mentiroso, injusto e feio da dividocracia austeritária que nos está a ser imposto e que se expõe no deprimente espectáculo mediático em que preponderam os títeres politicos, manobrados pelos mandarins da economia de mercado.
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Imagem: "A leiteira". Óleo sobre tela pintado por Johannes Vermeer em 1657 (circa). Dimensões: 45.5cmx41.0cm. Encontra-se no Rijksmuseum, Amsterdam, Netherlands.
(1) Arthur Schopenhauer. "Pensées et fragments"; Félix Alcan Editeur, Paris 1900 (pg.s 156-157)
(2) Arthur Schopenhauer, "Le monde comme volontée et comme representation"; Félix Alcan Editeur, Paris 1912 (pgs 338-339)

1 Comments:

At 8:22 AM, Anonymous doublebyte said...

Boa reflexao sobre os quadros nordicos.
Foste ver a exposicao do museu de arte antiga? http://www.pradoemlisboa.pt/

 

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