Reflexões Planetárias

Thursday, May 19, 2016

Smart cities

Máquinas inteligentes imbecilizam os humanos?
Para Simon Head, em Mindless, esta não é a questão, pois que isso é um dado adquirido.
A questão é a de saber porquê. "Porque é que máquinas mais inteligentes imbecilizam os humanos".
Não. Não são as máquinas mas os seus mentores que popiciam a infantilização, visando a eficiência económica lucrativa, isto é: ganhos de produtividade revertendo em transferência de riqueza do trabalho para o capital, pela diminuição dos custos do trabalho. Aliás, para tal nem é necessária uma sofisticada rede de computadores e software. Ela pode ser alcançada sem recorrer a métodos digitais como o demonstra a prática dos emotional teorists na industrialização dos serviços em que os trabalhadores lidam, não com máquinas, mas com humanos...
Por outro lado, até se diz que as novas tecnologias poderão empoderar e reforçar a competência dos trabalhadores!
Mas, "(n)este mundo dos computer buisiness sistems (CBS), conceitos como os de empoderamento e competência já não significam o mesmo que outrora. Ser competente e empoderado, é estar num estado de harmonia perfeita e sem atritos no sistema, em perfeita conformidade com as suas regras e ordens. Uma vez que a experiência e o saber residem no sistema e não nos utilizadores, a experiência que os trabalhadores acumulam ao longo do tempo não os torna mais proveitosos para o sistema." Assim, o que está a acontecer com as novas tecnologias não é o empoderamento, na velha acepção, mas o de-skilling na frente de trabalho e, com ele o empobrecimento do trabalhador.
Simon Head circunscreve-se à taylorização das ETN, grandes empresas de bens e serviços da sociedade de mercado que se globaliza. Mas que dizer do alargamento dos CBS a cidades inteiras (*) que se anuncia na actividade efeverescente de um cluster de multiplas empresas "com soluções em busca de problemas" que procuram clientes, olhando para as cidades como enormes oportunidades de negócio?


Open Smart Cities: mitos y realidades from SIGTE - Universitat de Girona on Vimeo.

Por este andar, o "caminho do progresso" levar-nos-á, com algumas grandes guerras pelo meio, da modesta "fábrica de alfinetes" até ao "admirável mundo novo": um sistema panóptico que abarca toda a vida quotidiana de pseudo-cidadãos sem ideias próprias e, portanto acríticos, obedientes robôs arregimentados num colectivo de pseudo-indivíduos regulados por uma elite dominante, temerosamente acorrentada à ciclópica tarefa de gerir um sistema complexo, em que gravitam massas imbecilizadas... por ela!
Norbert Wiener, um pioneiro da automação, reconhecia há sessenta anos, na segunda edição de "Cibernética e Sociedade", "muitos perigos à nossa frente" neste "caminho do progresso". Ele que tinha fé no progresso, "não radicado na força mas na nossa humildade", depositava esperança nas "raízes da boa vontade" numa humanidade em que também acreditava, "numa civilização com a coragem de enfrentar o seu destino tal como cada um de nós enfrenta o seu destino individual". Por isso - e isso não é pouco! - ele não se sentia "totalmente pessimista"!
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* David Harvey contesta as smart cities por se centrarem na eficiência tecnológica olhando a acumulação do capital e não atacam os principais problemas das cidades que são do âmbito das relações sociais: significação, qualidade da vida quotidiana, cuidado com os mais velhos e atenção aos novos, racismo ( e, poderia acrescentar outros incluidos no progresso da fragmentação social). Um technical fix para problemas sociais que só poderão ter uma solução social.

Sunday, May 08, 2016

O inferno de Fort McMurray

Não me saiem da cabeça as imagens dantescas do incêndio florestal que pôs em fuga os habitantes da cidade de Fort McMurray, uma das boom-city que nasceram da exploração petrolífera de uma vasta mancha de areias asfalticas. As Oil Sands de Athabasca estendem-se por mais de 140.000km2 da provincia de Alberta, no Canadá.

Atraídos pela oportunidade de emprego, eles aceitaram desterrar-se para a fria floresta boreal que cobre as areias asfálticas, não avaliando bem quais seriam os riscos e o que seria viver no meio de uma crescente desolação, à medida que as explorações mineiras vão esventrando o solo e poluíndo as águas superficiais.
Ou talvez pensassem que seria por pouco tempo. Assim se pensa hoje, de forma passageira e oportunista: a curto prazo. Assim pensava o nosso ex-ministro Santos Pereira, pouco antes de chegar do Canadá para onde depois regressou, quando nos recomendava passar toda a nossa vida, gostosamente, saltitando de terra em terra atrás do emprego.
Dizia eu que talvez pensassem que seria por pouco tempo.
Mas então, mais cedo do que esperavam, foi a floresta em chamas que devorou a sua malnascida cidade e ameaça as explorações vizinhas que são o seu único pão, agravando os desoladores efeitos do violento incêndio florestal... porventura mais célere a chegar e mais violento por efeitos do Aquecimento Global... que acompanha a nossa sociedade industrial, assente na exploração dos combustiveis fósseis de que, por acaso, a das areias asflaticas é das mais virulentas! Um imbróglio infernal!
Para os econocratras que gravitam no não-lugar da macro-ecomomia, estas desgraças são não mais de que inconvenientes externalidades do seu sistema económico, para os tecnocratas de todos os quadrantes, não mais do que efeitos do progresso, efeitos colaterais ou secundários prováveis e tecnicamente solúveis: estimulantes desafios e oportunidades de negócio.
Mas sê-lo-ão do progresso, ou do abuso tecnológico?
Abuso subordinado não á eficiência mas à eficiência lucrativa. Eficiência, neste caso, na lógica do capitalismo imperial que se radica num darwinismo antropocêntrico...
Tal como a catástrofe de Fukushima e por aí adiante. Os acidentes agravam-se e multiplicam-se...
Até quando continuaremos a acreditar no techno-fix e a tolerar tais custos em nome dos benefícios que julgamos disfrutar?
Quo usque tandem abutere Catilina patientia nostra?