Reflexões Planetárias

Friday, July 29, 2016

A cidade neoliberal

A crise energética dos anos setenta pôs termo aos Anos de Ouro do capitalismo keynesiano abrindo uma crise económica.
O backlash neoliberal aproveitou a crise económica para reduzir os custos do trabalho. A consequente contração do poder de compra dos trabalhadores travou a circulação económica do dinheiro que se passou para a parasitária especulação financeira, remoçada pelas novas tecnologias.
Os "ricos" estão por ora a ganhar a guerra (de classes), o que é patente no "consumo conspíquo" de uma classe de novos super-ricos que contrasta com a austeridade que vão impondo à maioria dos trabalhadores, fazendo aumentar perigosamente o fosso entre ricos e pobres.
Este quadro dístópico formaliza-se nas grandes cidades.
Um meu familiar regressou recentemente de Nova Iorque, encantado com o Central Park e arredores.
Rios de dinheiro acumulado no "castelo de água" de Wall Street com a financeirização da economia, têm vindo a alimentar o regresso ao centro, na gentrificação de muitos bairros de Nova Iorque, abandonados na era do gigantesco "urban sprawl" associado ao plano rodoviário realizado por Robert Moses.
Aproveitando a isenção de impostos, foi aplicado na conservação do Central Park algum desse capital acumulado pelos super-ricos.
O consequente encarecimento dos terrenos na orla do parque contribuirá decerto para a criação de um gueto de super-ricos tirando o maior proveito deste histórico pulmão verde da "selva urbana" de Nova Iorque.

Está em curso uma milionária operação imobiliária "à sombra" do Central Park... que o poderá ensombrar! O "sell-out" da recente torre de 75 andares, 220 Central Park South, chegou aos 2.5 mil milhões de Euros. Apenas uma das torres de luxo da "nascente" Billionaire´s Row! O preço de venda de uma penthouse com cerca de 1000m2 (pairando a 200m de altitude, sky´s the limit!) ronda os 100 milhões de euros... que é o valor da penthouse em triplex de Donald Trump no topo da torre Trump 1 Central Park West, duma penthouse na torre 432 Park Avenue do arquitecto Rafael Viñoly, ou de outra na torre One57 Park Avenue do arquitecto Christian de Portzamparc! Estes números relativos a "simples" condos de super-ricos são da ordem de grandeza dos que hoje afligem um país inteiro como Portugal!

Duas interrogações inquietantes:
Uma nova "bolha imobiliária" estará à vista, desta vez com as casas para "ricos" usando eles o dinheiro que subtraíram aos "pobres" na sequência da bolha anterior? É que o FIRE sector(*) não tem emenda!
Este regresso ao centro dos super-ricos não corrobora a ideia de Stephen Graham, tão distópica como bem fundamentada? A ideia de que a grandes cidades deixaram de ser os alvos de uma guerra atómica do tempo da Guerra Fria, à medida que ganham momento as guerras de baixa intensidade dentro das cidades: a "guerra contra o terrorismo" está na ordem do dia da Globalizacao em curso. Assim, a estratégia dos "senhores do mundo" teria deixado de ser a do urban sprawl associado ao National Defense Highway Act de Dwight Eisenhower, passando a ser a da gentrificação: instalar-se em condomínios fortificados em forma de torre, no centro das grandes cidades com Nova Iorque, expulsando os "pobres" e, com eles, o conflito social para as cidades-parias do "Planeta dos Slums" de Mike Davis.
___________________________
(*) FIRE: Finance, Insurance & Real Estate.
Nota sobre a imagem: Rendering da torre "220 Central Park South" com o Central Park e a cidade a seus pés.

Sunday, July 10, 2016

"Requiem pelo sonho americano"

The general population doesn't know what's hapenning and it doesn't even know that it doesn't know.
Noam Chomsky
Nas grandes civilizações da antiguidade a ordem sempre foi imposta por uma elite dominante.
Filosofos da antiguidade clássica pensavam que a democracia só era possivel, quanto a Platão, em pequenas comunidades de alguns milhares de habitantes e, quanto a Aristóteles, suficientemente grandes para serem auto-suficientes até ao limite em que todos se possam conhecer.
O progresso tecnológico leva admitir que esse limite democrático superior poderá ser alargado, mas até hoje o que tem acontecido é que o avanço tecnológico serviu para ampliar o poder dos "senhores do mundo", usando a expressão de Adam Smith, a uma escala planetária na globalização em curso.



Noam Chomsky debruça-se neste documentário(*) sobre a evolução social que começou nos anos cinquenta do século passado com um sonho democrático, o "sonho americano", para descambar a partir dos anos setenta, num backlash neoliberal tendencialmente tecnocrático, cujo processo de dominação ele sintetiza em "dez princípios para a concentração da riqueza e do poder": Reduzir a democracia, (re)configurar a ideologia, redesenhar a economia, transferir o fardo (dos custos para o povo), minar a solidariedade, controlar os reguladores (públicos), engenhar as eleições, manter a "populaça" nos carris, "fabricar o consenso" (Walter Lipman!), marginalizar a população. Não é tudo isto que está a ser evidenciado na resistência dos senhores da UE e dos seus "passistas" ao governo de António Costa em Portugal?
_______________________________________________
(*) Uma síntese pode ser vista aqui.